Prelo
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Como fazer de 2022 o seu ano literário
#049 – Outro dia, o Facebook me lançou a lembrança de um post, um texto meu publicado em janeiro de 2014. Naquela data remota, um Tiago oito anos mais jovem dizia haver encontrado numa gaveta de casa um papelzinho desses de biscoito da sorte, em que se lia em espanhol uma frase supostamente atribuída a Albert Einstein, e que dizia: “Para que a nossa vida melhore, devemos escolher sempre como queremos viver”. E o Tiago de trinta e poucos anos se assustava, por não ter minimamente claro como gostaria de viver.
E eu escrevia, imaginando a cena de um futuro quimérico, retirada dos livros, filmes e biografias que admirava na época. A imagem era bastante idealizada:
Como gostaria de viver?
Numa motocicleta, cruzando vales desertos, ravinas no rosto empoeirado. Um caderno e uma câmera, um lugar ermo o bastante para discernir os recados do zéfiro. Com crianças refugiadas na fronteira entre uma monarquia e um regime de facto. Numa festa de dois dias em uma ilha no mar de Andaman. Num mocambo a alguns quilômetros de Chiang Mai, metido em uma floresta coberta pela bruma e habitada por pios raríssimos. Em todas as imagens esta solidão de fundo e a imensidão do vazio.
Onde estarei em seis meses? Onde estarei em cinco anos? Perder países como quem busca um lar. Indiferente ao demorado das lonjuras. Despojado da pátina dos exotismos, mas de encontro a tudo, ao maior que o visível.
Não poderia dizer naquele 14 de janeiro de 2014, mas muito daquilo que escrevera iria se concretizar. Eu viajaria de moto pela Mae Hong Son, a estrada de 1800 curvas, na Tailândia. Entraria clandestino em um campo de refugiados na fronteira com Mianmar, para a escrita de um artigo como correspondente internacional. Passaria dez dias meditando numa floresta habitada por uma multidão inconcebível de insetos jurássicos.
Ao fim daquele ano, com ajuda de uma bolsa de criação, eu teria publicado um romance, “Os amantes da fronteira”, semifinalista do Prêmio Oceanos no ano seguinte, a maior premiação da língua portuguesa em todo o mundo.
O que fizemos das nossas intenções de oito anos atrás? Você saberia dizer quais eram?
E dos sonhos de criança, de adolescente?
Se queremos escrever, publicar, participar ativamente de um meio cultural e literário, talvez a gente deva seguir o conselho daquele biscoito da sorte, daquela piscadela de Einstein.
O futuro não será o resultado de como queremos viver. Ele sem dúvida será maior, mais desafiador e mais complexo. Mas para isso, não basta permanecer à deriva. Há uma diferença entre deixar-se carregar pelo mar, como na canção de Paulinho da Viola, e ser arrastado pelas correntes do marasmo e do lugar comum, abrigado nos ninhos eternos da familiaridade.